segunda-feira, 29 de março de 2010

Por que a água?

Que a água é um bem precioso todo mundo tem certeza! Entretanto, quantas pessoas estão realmente preocupadas com o destino dela?

O consumo desmedido que tem lugar nos dias de hoje cria um contínuo desperdício de tudo que nos cerca: água, energia, pessoas, esforços, inteligência, trabalho, tempo, sonhos, perspectivas... Tudo é quantificado e medido, avaliado segundo um critério estritamente financeiro, o quanto vale em dinheiro ou em capacidade de se tornar dinheiro.

Mede-se a capacidade do indivíduo de consumir e gerar desperdício. Na lógica capitalista atual, tornada massificadora ao extremo pelo fenômeno cruel da globalização, o cidadão cede lugar para o consumidor. Viramos figuras em um tabuleiro com uma plaquinha indicativa do nosso valor no mercado, colocados a disposição e em exposição contínua para aqueles que possam se interessar.

O desperdício gerado pelo consumo desregrado, irracional, quase infantil, interessa as grandes empresas multinacionais que atuam de forma feroz no controle do mundo. Imaginamos que o Estado, representado pelo governo, age em interesse da população, defendendo-nos de um destino atroz e avassalador. Contudo, o que se constata é a submissão das políticas públicas aos interesses econômicos do grande capital especulativo.

Não estou fugindo do tema água, mas aprofundando a sua discussão. Sendo um recurso de primeira necessidade em qualquer lugar do planeta, tornado escasso, terá o seu valor multiplicado por milhões. Quem controlar as reservas naturais de água, controlará o destino de bilhões de pessoas. O controle do uso e consumo generalizado desse recurso fornece uma situação privilegiada para quem detém o direito de explorá-lo. Com certeza caminhamos para uma privatização desse recurso, com limitação da oferta para a população em geral.

A água está presente em todos os elementos que nos cercam. Da produção de uma folha de papel até a fabricação de uma estação espacial; do cultivo de uma hortaliça a produção de energia. Há água em todas as coisas, mesmo que não seja perceptível a olho nú. A água irriga a nossa massa corporal de forma a permitir a nossa existência. Ela flui junto com a vida!

Relacionar cidadania e água é repensar o modelo de vida e consumo que adotamos como sendo o melhor, mais confortável, mais cômodo. É refazer a cultura imposta pelas estratégias globais, mudando o foco de importância do dinheiro para o indivíduo. É resgatar os valores de sociabilidade e solidariedade que foram descartados pela empresas como desnecessários e atrasados, impedidores do progresso. Enfim, é reconstruir o espaço geográfico a partir de novos valores centrados nos seres humanos e não no objeto dinheiro.
Edmario Nascimento da Silva

Uma mudança de paradigma

Vivemos em um período totalmente dominado pela ideologia. Parece a repetição de um clichê, mas é a mais atual das constatações. A ideologia ganhou formas e cores, sons e luzes, passando a fazer parte do nosso dia a dia, enraizado em nossos pensamentos e pragmatismos. Deixou de ser imaterial e se materializou na forma de novos produtos derivados da tecnologia e da aplicação de técnicas cada vez mais unificadas. O pensamento produzido por uma lógica perversa, que considera todos como coisas e que antevê a diminuição da participação das pessoas na economia e na vida, relegados a condição de excluídos.

Produz-se, hoje, discursos que antecipam o que ainda não existe como fato já consumado, existente e natural. Antes que se possa pensar a respeito, somos bombardeados por ideias que não se sabe de onde vieram ou para onde vão, apenas consome-se sem questionamentos. Assim, nasce também uma produção de conhecimentos que ao invés de nos estimular um pensamento libertador nos prende em uma caixa forte, um cofre, impedindo-nos de questionar "quem mexeu no meu queijo?" porque não há tempo a perder nessa trajetória de mudanças ininterruptas. Simplesmente temos que nos lançar em uma corrida desenfreada por buscar as migalhas que nos são ofertadas por quem controla todas as possibilidades e todos os estoques, obrigando-nos a aceitar como natural o movimento artificial de retirar a dignidade, a cidadania e a participação na vida da sociedade. Não há tempo a perder.

A maior arma contra o mal que nos ameaça e nos oprime, a informação, virou o maior veículo de reprodução dessa situação. As informações são manipuladas para convencer a todos de que não há retorno ou solução. Estamos cada vez mais desinformados e deformados. Por onde anda a educação? Cumprindo o seu papel de perpetuar o sistema cruel e excludente, onde não há espaços para a solidariedade e o pensamento político.
Edmario Nascimento da Silva

domingo, 28 de março de 2010

Geografia e poder

As relações que se estabelecem dentro de determinado espaço dominado pelo ser humano são de total interesse dos estudos geográficos. A interação dos grupos humanos entre si e com o ambiente que o cerca são significativas para compreender a forma como esse grupo se organiza para produzir sua existência e para transformar a natureza de forma a atender às suas necessidades.

Uma vez que a geografia se ocupa de estudar as relações vísiveis e invisíveis que constroem o espaço geográfico, devemos considerar esse estudo como uma análise, também, da forma como o poder se manifesta na organização social, não querendo com isso fazer uma análise antropológica nem sociológica, mas respaldando-se nesses ramos do conhecimento para construir a teia de situações que se entrelaçam para determinar o domínio de uns sobre outros.

Entender que o poder que aqui tratamos é a capacidade de influenciar, determinar, manipular, ocultar, transformar e direcionar as relações que se processam no espaço geográfico é de fundamental importância para compreender de que forma os estudos geográficos são capazes de revelar o poder manifesto no espaço.

Ao longo dos anos, desde que os seres humanos foram capazes de observar a natureza para transformá-la, criou-se uma distinção entre os grupos: de um lado, aqueles capazes de criar soluções para os problemas, capazes de gerenciar as situações, capazes de determinar as necessidades prioritárias a serem atendidas, capazes de controlar a produção de bens, capazes de manipular as informações que seriam disseminadas como verdades entre todos; do outro, aqueles que simplesmente seguiam as determinações dos demais, sem se questionar ou se colocar como agente transformados, apenas executores. Dessa distinção nasceram as relações de poder. O domínio de um grupo pelo outro se dá na medida em que um é capaz de controlar a oferta de oportunidades, a forma como será disposta a distribuição dos bens e riquezas, o acesso a informação, a circulação de informações, a divisão espacial, a infraestrutura... todas essas situações fazem parte das relações de poder que ocorrem no espaço.
Compreenda-se, portanto, que o estudo do espaço geográfico - objeto de estudo da geografia - vai além de decorar nomes de países, rios, montanhas etc. É a busca da compreensão das dinâmicas sociais que se manifestam na forma de organização do espaço, traçando linhas invisíveis que explicam a ocupação e utilização do território por grupos humanos diversos. É o estudo da forma como o ser humano foi capaz de se desenvolver tendo que se relacionar com a natureza e com o seu semelhante.

Geografia e poder é, portanto, o tema central dos estudos traçados para essa disciplina científica muitas vezes desprezada.
Edmario Nascimento da Silva

quinta-feira, 25 de março de 2010

O lugar

Quando falamos em lugar, nem sempre compreendemos o significado da palavra. O termo lugar, quando utilizado dentro do contexto da geografia, refere-se a uma porção do espaço geográfico carregado de significado para um indivíduo ou um grupo determinado. O lugar é um recorte do espaço geográfico onde se estabelecem relações visíveis e invisíveis; onde os sentimentos e sentidos que carregamos ganham um significado especial. É no lugar onde produzimos cultura, onde refazemos a nossa vida, onde descobrimos possibilidades.

Falar em lugar é ter consciência da formação do espaço em suas várias perspectivas: interação entre as pessoas, estratégias para superar as dificuldades, troca de ideias, exercício da política, mudanças nos padrões de comportamento... é um todo complexo cheio de emaranhados, caminhos e descaminhos.

Para entender o significado do lugar é preciso viver o lugar, experimentá-lo. A descoberta desse significado é, antes de tudo, uma experiência pessoal e intransferível. Nesse caso, a geografia atua em um mundo imaterial que se guia pelos sentimentos. Mundo intangível do qual emerge uma centena de situações postas e compostas de diversas e diminutas partes que vão se apresentando ao longo do tempo, da necessidade e das possibilidades.

É importante visualizar o espaço geográfico como um todo para não perder de analisar seus aspectos intrínsecos e ocultos a olhos desatentos. Viver o espaço para compreender o espaço vivido.
Edmario Nascimento da Silva

Fábrica de cultura

Imaginemos por um instante que estamos sozinhos, mergulhados em um total vazio de ideias, sem ninguém para compartilhar os nossos anseios, medos, expectativas e sonhos. Que faríamos nessa situação? Invocar essa imagem em nossa imaginação é o primeiro passo para compreender o fato de que somos fabricantes de cultura. Por quê? Porque o fato de interagirmos com os outros indivíduos da nossa espécie nos faz adotar determinados comportamentos, eleger certos valores, escolher um ou vários tipos de alimentos etc. Nosso comportamento resulta da mistura de elementos oferecidos pelo espaço que habitamos e, ao mesmo tempo, pela nossa capacidade de viver em grupo.

A cultura é como uma corda invisível que une os indivíduos em uma porção do espaço geográfico que chamamos de lugar. Somos produtores de cultura porque produzimos a nossa existência ao criarmos o espaço em que vivemos, ao desenvolver estratégias para nossa sobrevivência. Um simples fato nos coloca na condição de fabricadores de cultura: a comunicação. Somos a única espécie capaz de transmitir e ensinar aos nossos descendentes aquilo que aprendemos. Contudo, a cultura não se resume a mera transmissão dos nossos conhecimentos, tradições, histórias, lendas... é muito mais que isso. A cultura nos dá a capacidade de transformar o que existe e de criar uma existência única. Ela própria é a ferramenta com a qual modificamos a nossa existência e, ao fazermos isso, estaremos alterando a própria cultura.

Para construirmos cultura é indispensável que estejamos em grupo. Ela é um produto coletivo. Não há que se falar em cultura individual, uma vez que o indivíduo isolado não é capaz de superar todos os obstáculos que se impõe sobre ele. Mesmo que hoje alguém decida viver sozinho, de modo isolado do restante do mundo, já estará carregando consigo o produto da interações dos grupos que o antecederam e, portanto, já terá recursos culturais que o permitirão viver isoladamente.

Ao afirmar que a cultura de um povo é um tesouro inestimável devemos ter em conta que estamos falando da própria vida desse povo. É o espírito de um grupo que pode ser materializado nos seus objetos, arquitetura, pintura e outras formas de concretude, tanto quanto nos seus conhecimentos, lendas, mitos, religião e demais elementos imateriais com os quais expressam a sua compreensão singular da vida.

Apenas a cultura é capaz de explicar a própria cultura.
Edmario Nascimento da Silva